segunda-feira, 15 de agosto de 2011

na fuga da realidade

Saí de Marte para encontrar os meus bons e velhos amigos que ainda restavam pela Terra. Foi uma viagem até confortável: me serviram uma bebida típica dos asteróides viajantes. Os astros, na verdade, souberam que eu estava de chegada, e me mandaram o tal banquete da viagem. Sim, sou importante e sou de gêmeos. Curioso ao extremo, resolvi voltar à minha terra natal e saber o que ocorria por lá. Não demorei muito, tirei logo minha cabeça do lugar, para que a diferença de tempo não enrugasse meu rosto. A pus em uma caixa e a deixei ali. Pus minhas pernas em outra caixa e assim fui substituindo cada membro do corpo por outros de plástico.. Não queria ficar velho na Terra: tinha que preservar o meu estado de mocidade! Não quero dizer que em Marte as pessoas não envelheçam: sim envelhecem. Mas eu sei a fórmula da mocidade, que só funciona por lá: entre os marcianos, com o clima marciano, com o lugar. Por isso sou tão famoso e foi por isso que os Astros me mandaram as bebidas típicas e raras dos asteróides viajantes. Então depois de tanto tempo, quando chego, encontro novas pessoas, com novas aparências, desconhecidos. Bati na porta de uns amigos e descobri que muitos haviam morrido e no lugar das casas haviam prédios. Me perdi pela cidade. Não reconhecia a rua Dr. Emanuel de Borba, ou a casa número 349 na Padre Anchieta, onde me criei. Saí andando feito um louco perdido no espaço. Comecei a ter lembranças de coisas que não presenciei. Lembrei de como derrubaram a árvore central da praça Virgínia Guerra; lembrei dos cânticos de natal na casa de minha avó; da morte de Eugênia e Eulália, as duas irmãs com quem dormi. Os homens com quem tive meus primeiros alumbramentos. Comecei a ver coisas que não tinha vivido. Meu Deus, agora me vejo novo por fora, mas tão velho por dentro, pensei. Claro, eu havia esquecido de também deixar a consciência na caixinha, pois ela iria envelhecer rapidamente. Mas se eu tivesse deixado, como saberia reconhecer os amigos que imaginei que encontraria? Não haveria solução... Todos estavam mortos, o tempo tinha passado e eu não havia me dado conta de que seria perdido; tempo perdido voltar até lá. E eu, como tão inteligente e soberano em minha capacidade de raciocínio, lembrei de que a minha mente, já que estava ficando velha, chegaria logo à morte, eu não iria mais conseguir pensar, nem agir, nem ser eterno como sempre quis. Voltei correndo para Marte. Na viagem pus minhas pernas, meus braços, minha cabeça de volta. Cheguei, tudo estava na mesma, apenas minha mente que havia envelhecido, mas ela iria se estabilizar por efeito da fórmula. Sabe, findei lembrando das coisas que não vivi, vendo passar em meus olhos tudo aquilo que estava reservado para mim, mas que na prática não aconteceu. Eu não senti nada daquilo. Daí entrei em depressão. Era triste. Findei me matando e hoje vivo morto em um cemitério de luxo. Agora meu nome virou placa de rua e estátuas minhas foram erguidas. Neste momento devem perguntar o que estou fazendo. Se estou morto, o que faço para passar o tempo de morto? 
- Deus é um bom jogador de xadrez. Na próxima partida eu ganho dele!

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