sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"o mundo é um mosaico de pontos de vista"

"O mundo é um mosaico de pontos de vista". A máxima do filósofo, de cujo nome já me perdi, é aberta ao mundo dos acontecimentos. Não é o mundo dado da natureza. É o mundo das ações, dos sentimentos, dos afetos. Ser humano é ser pontos de vista. É pôr os óculos da existência, aquele que nos permite acontecer; ser o mais alto acontecimento. Quando trocamos os óculos, falamos de outra posição, enxergamos diferente. Sobre todos os óculos presentificam-se o que de mais volitivo habita em nós; cada palavra do outro, que vem a mim, que faz um furo em meu ser, que contribui com uma pedra a mais colocada sobre essa muralha ontológica.

Voltei aos velhos óculos, os do estar só. Você permitiu-me acontecer naquelas noites de setembro, quando cada palavra sua fez-me diferente, fora de mim. Era um estado de plenitude e uma alegria ingênua, doce, lembrando o tempo de criança, quando corria pela rua, atrás de bola, e caía no chão, ainda sem saber que a vida é o maior dos desperdícios. Voltei ao tempo em que os óculos eram-me impostos pelo existir. Uma obrigação infantil.

Retornei aos velhos óculos, quando me deixei por inteiro e permiti que a vida se impusesse mais uma vez. Não custou demora: num sobressalto de ilusão, eu perdi as forças, não dei por mim, cavei cada palmo de terra para enterrar o estar feliz momentâneo de uma só vez: em uma indiferença você falou. Perdi minha maior face, uma esperança. Os óculos daquele momento, de pura felicidade, porque o mundo era lindo e eu sorria feliz, foram severamente esmagados pelo seu silêncio. O mau do retorno. E, palavra, retornar dói sempre mais.

De todas as maneiras que há de sentir, eu -te- senti. Senti distante, por cada palavra.

Bem, desse mosaico de pontos de vista; de óculos que pomos e tiramos, a todo instante, ainda que inconscientemente, hoje minha vida sabe a valer isto: nada. Estagnei no mundo e nada tenho; até as poesias deram por perdido e debandaram-se.

Algo, no entanto, ainda me move: a espera de te ver passar e lembrar que as tuas palavras, antes do silêncio, permitiam-me enxergar por óculos de felicidade; o dia em que fui mais feliz.

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